sexta-feira, 21 de novembro de 2008


single [siŋgl] s. 1. coisa ou pessoa f. avulsa, só. 2. jogo m., competição f. para duas pessoas só. 3. ~s jogo m. para uma pessoa em cada lado. ║v. separar, escolher. ║adj. 1. um só, um único. 2. individual, para um só. 3. só, isolado, sozinho, solitário. 4. singular, único. 5. solteiro, não casado. 6. com um adversário ou competidor em cada lado. 7. simples, não múltiplo. 8. sincero, honesto, genuíno.


pressupostos
Em single tratar-se-á de modos de estar e de agir próprios dos espaços privados controlados por uma só pessoa. Neles, a auto-encenação não está ausente. Para além de circunstâncias de abertura à presença de outros, a auto-encenação do habitante solitário é produzida por intermédio de uma relação especular consigo mesmo e portanto com uma liberdade dificilmente equiparável àquela que é habitual na partilha do quotidiano com outros. Hábitos e horários, gestos do quotidiano, sexualidade, o arranjo dos espaços, a acumulação de objectos pessoais, ambiente sonoro – tudo pode ser expressão de absoluta individualidade, tudo pode contribuir para a criação do tipo de universo encerrado e hiper-individual que Peter Sloterdijk designou como egoesfera (O ensaio “Cell Block, Egospheres, Self-Container: The Apartment as a Co-Isolated Existence”, publicado em 2007, constitui uma das referências deste projecto). Single não será, portanto, um espectáculo sobre solidão no sentido sombrio, mas mais sobre os contornos do habitar individual nas sociedades tardo-capitalistas.

Os comportamentos solitários podem definir o grau zero da teatralidade quotidiana: ausência de vergonha, alheamento em relação a convenções de convívio social, um potencial despudor infantil. Vistos deste modo, estes comportamentos definem um âmbito de acção antípoda da ideia ortodoxa de teatro, na qual esta espontaneidade se encontra excluída do exercício de artificialismo (que é o teatro). Por outro lado, a ausência de interacção com o outro possibilita o controlo das pequenas coisas circundantes e pode ser propícia ao exercício de um poder que – na medida em que se encerra sobre si mesmo e é ilusório – não é senão uma representação.

concretização do projecto
O processo de trabalho de single será iniciado com uma pesquisa sobre indivíduos que vivem sozinhos. Dois sociólogos acompanhados por uma psicóloga produzirão, de acordo com os pressupostos do projecto, um questionário destinado a realizar um conjunto de entrevistas. Pretende-se obter material dramatúrgico que permita um enquadramento objectivo do tema e que forneça material relativo a casos concretos no que se refere a paisagens domésticas e a construções afectivas.

A série de entrevistas constituirá ponto de partida para a construção do espectáculo. No entanto, não se pretende, nem transportar as experiências dos entrevistados directamente para o espectáculo (não se pretendem produzir retratos de “pessoas reais”), nem explorar a afectividade dos actores. Single poderá revestir-se de despudor: o ridículo, o estupidamente íntimo, as vicissitudes do corpo, o escatológico, enquanto aspectos do quotidiano, poderão constituir matéria propícia à manipulação dramatúrgica; mas, em cena, é de uma invenção que se trata. As situações “narrativas” a desenvolver durante o processo de trabalho, apesar de apoiadas em testemunhos reais, serão consideradas sobretudo em função da sua eficácia cénica.

Não se prevê à partida nenhum modelo formal para o espectáculo. Pressupõe-se apenas que, para além de monólogos (para a construção dos quais as entrevistas serão úteis), se pretende explorar modalidades performativas mais abstractas, sobretudo coreográficas, que se julgam adequadas à recriação de comportamentos solitários. E prevê-se também que, dado o tema, a relação entre os vários actores presentes no palco não passe pela “contracena”. Em vez disso, as acções serão coordenadas de modo a acentuar, quer a singularidade das personagens, quer as semelhanças que entre elas se venham a verificar. É entre estes dois pólos – a diferença e a afinidade – que se prevê desenvolver o trabalho de direcção do espectáculo.

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