terça-feira, 6 de setembro de 2011

single [siŋgl] s. 1. coisa ou pessoa f. avulsa, só. 2. jogo m., competição f. para duas pessoas só. 3. ~s jogo m. para uma pessoa em cada lado. ║v. separar, escolher. ║adj. 1. um só, um único. 2. individual, para um só. 3. só, isolado, sozinho, solitário. 4. singular, único. 5. solteiro, não casado. 6. com um adversário ou competidor em cada lado. 7. simples, não múltiplo. 8. sincero, honesto, genuíno.

O Imperador Haile Selassie reina na Etiópia, soberano, entre 1930 e 1974.
Vive com a sua corte e estabelece rotinas. O protocolo, o guarda-roupa, os carros. Seguindo um horário rigoroso, audiências, nomeações, denúncias. O tempo dedicado aos animais de estimação: leões, leopardos, panteras, aves do paraíso, flamingos, um papa-formigas. O Imperador é único, como o Sol. Um cargo é uma honra. Ser Ministro da Pluma, Ministro das Finanças, Reverendo Tesoureiro. Ser responsável por abrir as portas pelas quais o Imperador passa, ou por colocar uma determinada almofada debaixo dos seus pés em função da altura de cada trono. Ser Chefe do Serviço Áulico de Espionagem, Imperial Body Guard, Grande Mordomo da Corte, Funcionário de Protocolo nos cortejos. Limpar o xixi do lulu dos sapatos dos dignitários para que eles possam continuar a agir imperturbáveis, não denunciando qualquer incómodo.
O povo passa fome. Tornam-se públicos os benefícios concedidos pelo Ministério do Alto Privilégio. Sabe-se da existência de avultadas contas bancárias do Imperador em bancos estrangeiros. Em 1969, há uma revolta estudantil. Dizendo agir “em nome do Imperador”, o exército junta-se ao movimento de renovação oposicionista. Entretanto, o regime avança nos planos de uma barragem no Nilo “em nome do progresso”. Os dignitários vão sendo detidos, desertificando-se a corte. Os que restam organizam-se em sessões de ginástica (pequenos grupos, para evitar detenções em massa) e iniciam-se os preparativos para a grande festa do 82º aniversário do Imperador. Nesse dia chove. Decorre o ano de 1974. A Comissão Militar Provisória destrona o Imperador, que se limita a afirmar: se a revolução for boa para o povo, concordo com ela.


single é sobre o universo doméstico de pessoas que, no presente contexto tardo-capitalista, optam por viver sozinhas. Não se pretende tratar da solidão, mas antes da hiper-individualidade. Nesse sentido, a casa – enquanto “ambiente” controlado, contentor de referências culturais e lugar de acções privadas – é aqui considerada como meio privilegiado para a construção de universos pessoais. O projecto parte de uma série de entrevistas a indivíduos que vivem efectivamente sozinhos e visa recriar em cena, alternada ou paralelamente, universos domésticos individuais do tipo dos retratados nessas entrevistas.






Fotografias de Susana Paiva

direcção Jorge Andrade a partir de O Imperador de Ryszard Kapuściński e de “Cell Block, Egospheres, Self-Container: The Apartment as a Co-Isolated Existence” de Peter Sloterdijk com Anabela Almeida, Bruno Huca, Carlotto Cotta, Flávia Gusmão, Hugo Bettencourt, Jorge Andrade, Marco Paiva, Miguel Damião, Pedro Gil e Tânia Alves cenografia e figurinos José Capela som Rui Lima e Sérgio Martins execução de figurinos históricos Guilhermina Rocha Gomes direcção de produção Manuel Poças co-produção Citemor apoio Teatro Nacional D. Maria II . ZDB . Adidas . Letra Livre

agradecimentos Daniel Worm, Elisabete Leite, Fernando Alvarez, Joana Botelho, Manuel João Ramos, Maria do Carmo, Maria H. Capela, Maria João Vicente, Sofia Sousa

sexta-feira, 21 de novembro de 2008


single [siŋgl] s. 1. coisa ou pessoa f. avulsa, só. 2. jogo m., competição f. para duas pessoas só. 3. ~s jogo m. para uma pessoa em cada lado. ║v. separar, escolher. ║adj. 1. um só, um único. 2. individual, para um só. 3. só, isolado, sozinho, solitário. 4. singular, único. 5. solteiro, não casado. 6. com um adversário ou competidor em cada lado. 7. simples, não múltiplo. 8. sincero, honesto, genuíno.


pressupostos
Em single tratar-se-á de modos de estar e de agir próprios dos espaços privados controlados por uma só pessoa. Neles, a auto-encenação não está ausente. Para além de circunstâncias de abertura à presença de outros, a auto-encenação do habitante solitário é produzida por intermédio de uma relação especular consigo mesmo e portanto com uma liberdade dificilmente equiparável àquela que é habitual na partilha do quotidiano com outros. Hábitos e horários, gestos do quotidiano, sexualidade, o arranjo dos espaços, a acumulação de objectos pessoais, ambiente sonoro – tudo pode ser expressão de absoluta individualidade, tudo pode contribuir para a criação do tipo de universo encerrado e hiper-individual que Peter Sloterdijk designou como egoesfera (O ensaio “Cell Block, Egospheres, Self-Container: The Apartment as a Co-Isolated Existence”, publicado em 2007, constitui uma das referências deste projecto). Single não será, portanto, um espectáculo sobre solidão no sentido sombrio, mas mais sobre os contornos do habitar individual nas sociedades tardo-capitalistas.

Os comportamentos solitários podem definir o grau zero da teatralidade quotidiana: ausência de vergonha, alheamento em relação a convenções de convívio social, um potencial despudor infantil. Vistos deste modo, estes comportamentos definem um âmbito de acção antípoda da ideia ortodoxa de teatro, na qual esta espontaneidade se encontra excluída do exercício de artificialismo (que é o teatro). Por outro lado, a ausência de interacção com o outro possibilita o controlo das pequenas coisas circundantes e pode ser propícia ao exercício de um poder que – na medida em que se encerra sobre si mesmo e é ilusório – não é senão uma representação.

concretização do projecto
O processo de trabalho de single será iniciado com uma pesquisa sobre indivíduos que vivem sozinhos. Dois sociólogos acompanhados por uma psicóloga produzirão, de acordo com os pressupostos do projecto, um questionário destinado a realizar um conjunto de entrevistas. Pretende-se obter material dramatúrgico que permita um enquadramento objectivo do tema e que forneça material relativo a casos concretos no que se refere a paisagens domésticas e a construções afectivas.

A série de entrevistas constituirá ponto de partida para a construção do espectáculo. No entanto, não se pretende, nem transportar as experiências dos entrevistados directamente para o espectáculo (não se pretendem produzir retratos de “pessoas reais”), nem explorar a afectividade dos actores. Single poderá revestir-se de despudor: o ridículo, o estupidamente íntimo, as vicissitudes do corpo, o escatológico, enquanto aspectos do quotidiano, poderão constituir matéria propícia à manipulação dramatúrgica; mas, em cena, é de uma invenção que se trata. As situações “narrativas” a desenvolver durante o processo de trabalho, apesar de apoiadas em testemunhos reais, serão consideradas sobretudo em função da sua eficácia cénica.

Não se prevê à partida nenhum modelo formal para o espectáculo. Pressupõe-se apenas que, para além de monólogos (para a construção dos quais as entrevistas serão úteis), se pretende explorar modalidades performativas mais abstractas, sobretudo coreográficas, que se julgam adequadas à recriação de comportamentos solitários. E prevê-se também que, dado o tema, a relação entre os vários actores presentes no palco não passe pela “contracena”. Em vez disso, as acções serão coordenadas de modo a acentuar, quer a singularidade das personagens, quer as semelhanças que entre elas se venham a verificar. É entre estes dois pólos – a diferença e a afinidade – que se prevê desenvolver o trabalho de direcção do espectáculo.